«Uma autobiografia é uma missão impossível. Deveria escrever um texto rigoroso, só que sou sempre personagem de mim própria, mesmo que narre tudo na primeira pessoa e me apelide Dulce, como se não estivesse a inventar‑me. Escrever é pensar devagar. A lentidão tanto leveda ou germina quanto mirra ou apodrece. E depois existe o outro lado: vós, os que estais aí. Enquanto leitora de ficção procuro inevitavelmente o autor no seu texto. Que verdade esconde o autor na mentira que conta? Uma autobiografia funciona um pouco ao contrário: que mentira esconde o autor na verdade que revela?
Na minha cabeça, a minha vida é um puzzle desmanchado. De tempos a tempos, pego numa peça e detenho‑me a olhá‑la. A pergunta que deveria espicaçar‑me, Onde é que isto se encaixa?, raramente me ocorre. Sempre fui uma má jogadora e sei que há peças perdidas. Também não conheço a imagem que deveria criar com as peças todas. Miro e remiro cada peça a que lanço mão como se estivesse perante o puzzle completo. A determinada altura, coloco‑a sobre a secretária já repleta de outras peças espalhadas.» — D.M.C
Sinopse
Três anos depois de Eliete, finalmente um novo livro de Dulce Maria Cardoso. As muito celebradas crónicas que saíram na Visão são de uma intimidade sem precedentes na obra da autora: pessoais, memorialísticas, transparentes, e tão depuradas que se tornam universais, abrindo lugar para cada um de nós. Como uma poltrona que «é moldada, dia após dia, pelo peso de um corpo, transformando-se no seu ninho».
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Sobre a Autora
Dulce Maria Cardoso publicou os romances Eliete (2018, livro do ano, entre outros, no Público, Expresso e no JL, Prémio Oceanos e finalista do Prémio Femina), O Retorno (2011, Prémio Especial da Crítica e livro do ano dos jornais Público e Expresso), O Chão dos Pardais (2009, Prémio PEN Clube Português e Prémio Ciranda), Os Meus Sentimentos (2005, Prémio da União Europeia para a Literatura) e Campo de Sangue (2001, Prémio Acontece, escrito na sequência de uma Bolsa de Criação Literária atribuída pelo Ministério da Cultura).
Os seus romances estão traduzidos em várias línguas e publicados em mais de duas dezenas de países. A tradução inglesa de O Retorno recebeu, em 2016, o PEN Translates Award. Publicou contos em revistas e jornais, a maioria dos quais reunida nas antologias Até Nós (2008) e Tudo São Histórias de Amor (2013). Alguns deles fazem parte de várias antologias estrangeiras, e «Anjos por dentro» foi incluído na antologia Best European Fiction 2012, da Dalkey Archive. Em 2017, foram publicados os textos Rosas, escritos no âmbito da estada em Lisboa de Anne Teresa De Keersmaeker, quando a coreógrafa foi a Artista na Cidade. Criou, ainda, a personagem Lôá, a menina-Deus, para uma série da RT2.
A obra de Dulce Maria Cardoso é estudada em universidades de vários países, fazendo parte de programas curriculares, e tem sido objeto de várias teses académicas, bem como adaptada a cinema, teatro e televisão. A autora tem participado em vários festivais de prestígio internacional. Em 2012, recebeu do Estado francês a condecoração de Cavaleira da Ordem das Artes e Letras. Assina, na Visão, a coluna «Autobiografia não autorizada» e é comentadora na estação televisiva SIC, no programa Original é a Cultura.
Boas Leituras ❤️