Opinião «A Desumanização» de Valter Hugo Mãe

Título: A Desumanização

Autor: Valter Hugo Mãe

Edição: Outubro 2018

Páginas: 248

Editora: Porto Editora

ISBN: 978-972-0-04494-5

Sinopse

«Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas.»

Passado nos recônditos fiordes islandeses, este romance é a voz de uma menina diferente que nos conta o que sobra depois de perder a irmã gémea. Um livro de profunda delicadeza em que a disciplina da tristeza não impede uma certa redenção e o permanente assombro da beleza.

O livro mais plástico de Valter Hugo Mãe. Um livro de ver. Uma utopia de purificar a experiência difícil e maravilhosa de se estar vivo.

COMPRAR na WOOK

COMPRAR na BERTRAND

Opinião

Gostava de começar por referir-me ao prefácio de Miguel Real, demasiado elucidativo para o que nos espera na narrativa de Valter Hugo Mãe. Não só nos prepara para o estilo linguístico que vamos encontrar (o lirismo em oposição ao neonaturalismo, em que o primeiro surge como embelezamento da escrita, o segundo demonizado pela sua dureza e crueldade), como nos faz um resumo da história que vamos ler de seguida, com demasiados pormenores importantes que estragam o fator surpresa. A minha sugestão vai no sentido de lerem o prefácio depois de terminarem a leitura, não antes.

«A criança plantada não podia voltar, pensava eu em terror. A terra estava infestada de seres matadores, invejosos, gulosos da felicidade dos outros. Comem-lhe a felicidade.»

«A Desumanização» é uma história lindíssima, com os fiordes islandeses como pano de fundo (e até como personagem), contada por Halldora, uma menina pré-adolescente, que perdeu a sua irmã gémea, Sigridur, sobre a ingenuidade da infância em oposição à brutalidade da realidade. É muito focada na dor, no sofrimento, na desorientação, na fuga, na tristeza, na perda, no luto, na morte.

«Quem quer fugir já metade foi embora.»

Há vários momentos que se destacam: a mãe das gémeas não sabe lidar com a perda e tem sede de vingança, todos têm de pagar, sejam humanos ou animais; o pai poeta faz de mediador entre a mãe e a gémea sobrevivente; o Einar, com quem Halldora descobre a sexualidade; a forma como Halldora lida com o luto e o sentimento de perda; e as memórias reveladas de Einar.

«A minha mãe disse: fazes tudo assim, maldita, fazes tudo como se fosses um bicho. Vou gostar de te ver morta como um bicho também.»

Estava com receio que a história ficasse incompleta, mas não. Tem um final muito inesperado e surpreendente que completa o quadro geral.

«A morte é um exagero. Leva demasiado. Deixa muito pouco.»

Com uma escrita muito exigente, muitas metáforas, muitas considerações metafísicas e do foro religioso, exige muito foco e concentração. Não é um género de escrita que aprecie particularmente, mas a composição, as imagens, os sentimentos, a beleza e o horror são tão vívidos que ultrapassam a questão da estética literária.

«Contava-se que deus se sentara nos fiordes e, de rabo tão pesado, a rocha cedera como se fosse um monte de areia. Outras pessoas achavam que aquilo era do diabo, descansando de andar a acender caldeiras, regurgitando as almas dos infelizes para dentro das crateras fundas dos vulcões, enchendo os vulcões do estranho ódio que o fogo continha. Jurava o meu pai: é um estranho ódio que o fogo contém. Deve vir dos mal mortos. Os zangados.»

Não é um género de leitura que crie consenso. Tenho perfeita noção de que não iria apreciar este livro há alguns anos atrás. Mas, hoje, fez-me sentido, gostei! Retirava apenas as descrições que relatam os maus tratos a animais. Considero-as desnecessárias, com o objetivo de provocar choque e horror, nada mais.

«(…) a vida não pertencia aos sonhadores, ainda que talhados para o sucesso. A vida era dos que sobravam. Em sobrar estava a oportunidade de prosseguir e de alguma vez se ser feliz.»

Boas Leituras ❤️

PARABÉNS ao autor, Valter Hugo Mãe, por ser o vencedor do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores e Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas com a obre «Contra Mim».

Author: Ana Rute Primo

Licenciada em Educação, com especialização em Pedagogia Social e da Formação, empreendedora e autodidata do mundo digital, apaixonada por livros (tanto faz que sejam em papel como em formato ebook), viciada em bibliotecas e livrarias, adora animais e a natureza, preza o silêncio e o bem-estar físico e emocional. Traz sempre a família no coração. Podem segui-la no instagram em https://www.instagram.com/anaruteprimo .

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *