Opinião «A Ocupação» de Julián Fuks

Título: A Ocupação

Autor: Julián Fuks

Edição (Digital): Agosto 2020

Páginas: 152

Editora: Companhia das Letras

ISBN: 9789897840319

Sinopse

«Todo homem é a ruína de um homem, eu poderia ter pensado. Aquele homem que se apresentava aos meus olhos era a encarnação dessa máxima, um ser em estado precário, um corpo soterrado em seus próprios escombros.»

Assim começa A Ocupação e a viagem de Sebastián, que vive uma pequena tragédia familiar: o aborto espontâneo de um filho, inaugurando um penoso período de luto, a par e passo com o internamento prolongado do pai, com um pulmão perfurado. Sem saber como agarrar o fio da sua própria existência em ruínas, o narrador recebe uma chamada de um refugiado sírio, convidando-o para uma conversa. Vendo nesse convite o pretexto necessário para se evadir do quotidiano, Sebastián vagueia por São Paulo rumo ao Hotel Cambridge, ruína de um prédio outrora grandioso e no presente ocupado por um grupo de sem abrigo. Mergulhando nas histórias que o edifício encerra, o nosso narrador será por elas ocupado, até também ele se esquecer de quem era antes.

No romance A Resistência, vencedor do Prémio Literário José Saramago, Julián Fuks depositou na personagem de Sebastián o seu alter-ego, para, através dele, reconstituir as peças da história íntima da sua família e do seu país. Neste novo romance, o autor regressa à personagem de Sebastián para olhar de novo a família, entretanto alargada, e o mesmo país, à beira da ruína.

Juntando à sua voz outras vozes, incluindo a de Mia Couto – seu companheiro no processo de escrita do romance, e nele personagem -, o autor-narrador deambula por histórias e lugares, expondo várias formas de ocupação. Com uma prosa bela e delicada, Julián Fuks revela a fragilidade da vida, o drama da solidão, a luta das pessoas comuns para renascer das ruínas no meio das “pequenezas quotidianas”. A ocupação é uma tocante história de perda e de resiliência pela mão de um dos mais promissores autores brasileiros do presente.

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Disponível também em EBOOK

Opinião

Este romance de autoficção está dividido em três momentos narrativos: relatos de situações vividas com a esposa de Sebastián, o alter ego do autor, em concreto o foco na tentativa de engravidar e no infortúnio do aborto espontâneo; ao mesmo tempo o pai está internado com um problema de saúde grave, talvez à espera da morte; enquanto se permite sentir, pelos olhos dos outros, os ocupantes ilegais de edifícios devolutos, uma sensibilidade humana e a sensação de impotência para fazer mais, para mudar a realidade daquelas pessoas de alguma forma.

Embora não exista relação entre estas três fases distintas, todas elas marcam a vida do narrador a nível pessoal de uma forma dura, dolorosa, um embate forçado com a realidade que leva, inevitavelmente, a introspeções e reflexões profundas. Convida-nos a realizar vários exercícios relacionados com a empatia.

«(…) a princípio não se lia a guerra, a destruição, a ruína maior em sua dimensão histórica. Era nas pequenezas quotidianas que se revelava a imensidão da desgraça.» (cap. 11)

Não sendo uma escrita fluida de caráter comercial, lê-se extremamente bem, apela ao sentimento, à compaixão, qualquer que seja o momento em narração. Gostei imenso desta narrativa pouco convencional.

Alguns dos episódios são demasiado gráficos, especialmente aqueles que retratam animais em sofrimento. São os mais difíceis para mim, porque adoro animais com todo o meu coração, e as imagens que me ficam gravadas na mente são tão vívidas, quase como se as tivesse presenciado.

Marcado por um ambiente social difícil e perturbador e por uma crítica sociopolítica avassaladora, este é um livro sobre a luta, a perda, os direitos, a dor, a ruína humana, a empatia.

«(…) o medo que nos assola quando pensamos estar diante do imensurável, do incognoscível. O medo em que se baseia quase toda religião, na forja de um Deus opressor e protector a um só tempo. O medo de que se aproveita também quase todo fascismo, o medo de algo incerto, mítico, de um inimigo erguido e esculpido com esmero, da maneira mais conveniente, o judeu, o imigrante, o socialista, o negro, a mulher, o homossexual, o militante, o excluído.» (cap. 24)

Foi a minha estreia com o autor, mas não foi, seguramente, o último título que li de Julián Fuks.

Boas Leituras ❤️

Author: Ana Rute Primo

Licenciada em Educação, com especialização em Pedagogia Social e da Formação, empreendedora e autodidata do mundo digital, apaixonada por livros (tanto faz que sejam em papel como em formato ebook), viciada em bibliotecas e livrarias, adora animais e a natureza, preza o silêncio e o bem-estar físico e emocional. Traz sempre a família no coração. Podem segui-la no instagram em https://www.instagram.com/anaruteprimo .

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